quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Oliviero Toscani e as campanhas publicitárias da Benetton

Recebi alguns e-mails pedindo que eu falasse sobre o livro “A Publicidade é um cadáver que nos sorri”, então vai aí a trajetória de Oliviero Toscani e o processo de criação do polêmico publicitário. Boa leitura!

O livro, “A publicidade é um cadáver que nos sorri”, foi escrito pelo fotógrafo e criativo Toscani, nome responsável por campanhas chocantes da grife de roupas Benetton. O fotógrafo, que é totalmente propenso a uma confusão, narra o processo de criação de cada foto e a aceitação junto ao público, o que, diga-se de passagem, não é nada fácil de conseguir. Principalmente quando se tem ousadia demais.

Aprimorando minha leitura, percebi que existiam alguns fatos reais e inegáveis da publicidade (observando o nosso dia a dia), principalmente quanto ao vazio criativo de certas campanhas e ao alto custo das mesmas. Porém, quero deixar bem claro que minhas conclusões estão longe de defender integralmente o fotógrafo da Benetton.

Toscani foi o primeiro a ter coragem de denunciar, tão bravamente. Enxergou o excesso de vaidade no vazio da publicidade e optou por um choque.

Oliviero Toscani nasceu em 42, em Milão. Seu pai era repórter fotográfico e sua vocação se revelou no dia em que ganhou seu primeiro brinquedo: uma máquina fotográfica. Fotógrafo de arte e de moda com passagens pela publicidade de humor negro e alto impacto dos ingleses da agência Thompson, soube despertar a atenção do consumidor como ninguém.

Por um período de 18 anos, Toscani foi o responsável pela campanha publicitária internacional da Benetton. Em uma perfeita estratégia de administração de mídia, nestes 18 anos capitalizou espaço gratuito multimídia veiculando em suas fotos temas tabu da atualidade, como:

- AIDS: “As reações do grande público mais exacerbadas... com o cartaz da Benetton do outono de 1993, mostrando uma pele tatuada com a inscrição HIV POSITIVO”. P. 79

- GUERRA DO GOLFO: “Concebi a foto de uma criança que acabava de nascer, nua, coberta de placenta... Via nisso, em plena guerra do Golfo..., uma imagem de esperança”. P. 55

- RACISMO E EXCLUSÃO: “O primeiro cartaz que despertou uma polêmica mundial foi o de um bebê branco nos braços de uma mulher negra”. P. 47

- RELIGIÃO: “Cartaz de um padre beijando uma freira, para a coleção outono/inverno 1991-1992”. Encarte.

Isso gerou propaganda ideal, boca-a-boca. Quando que por um mecanismo de destaque psicológico obriga os comentadores a expor-se, a opinar, a projetar da foto seus grandes medos, inconscientes. Quando cada um do seu público-alvo interpreta o significado que tirou da foto, projeta suas fobias de forma a sentir-se grande cúmplice de Toscani, co-autor da construção do sentido; um tipo de interatividade rara até mesmo nas artes atuais.

Toscani insinua a questão de que se Da Vinci fosse vivo hoje, se pintaria quadros a óleo ou se colocaria sua obra na mídia, para ser democraticamente usufruído por milhares de pessoas. Conhecendo o caráter público de diversas obras dele, a conclusão é favorável a Toscani enquanto artista, que distribui sua obra gratuitamente ao público no outdoors das cidades.

Oliviero Toscani não é inocente, nem ingênuo, longe disso. Toscani tem plena consciência do seu projeto em andamento, de seus efeitos excelentes, utilizava reportagens jornalísticas em sua criações.

O outdoor das roupas do soldado da guerra da Bósnia foi condenado pelo júri de autodisciplina publicitária da Itália, pois o soldado croata Marinko Gagro faleceu de um estilhaço de granada na cabeça, e a foto de Toscani das roupas dele mostra claramente furos de bala no peito e manchas de sangue fresco que não são indícios verdadeiros da real “causa mortis” de Marinko Gagro, além da disposição das roupas remeterem à expressão de Cristo crucificado. O furo de bala localiza-se exatamente no peito indicando a quinta chaga de Cristo. Gojko Grago, pai de Marinko, que doou as roupas do filho à Cruz Vermelha, afirma nunca ter visto as roupas com as quais ele faleceu e condenou a foto de Toscani, que se defendeu alegando ter colocado as roupas que recebeu na posição da foto, mas que estas já estavam manchadas e com o furo no peito.

Toscani é um marco histórico que não pode ser ignorado, pois sua obra navega nas fronteiras entre a arte e a mídia e estimula as pessoas. Talvez, como artista, tivesse conscientemente a proposta da não padronização que tanto pregou em suas críticas à publicidade e à mídia... A meu ver, o outdoor de Toscani tira o consumidor deste “estado massa” para provocá-lo a pensar e questionar como público ou cidadão maduro.

Desta forma, Toscani apresenta-se como um artista engajado nas causas contemporâneas, um cara que propaga conceitos, idéias, forçando a tomada de atitudes e a construção de opiniões próprias, muito mais que um mero publicitário, como um artista em sintonia com sua mídia global, intuitivo para criar obras abertas repletas de conteúdos e propagar a marca de seu cliente, Luciano Benetton.

Percebi ao final da leitura que, na verdade, Toscani não reinventou a publicidade coisa nenhuma como ele deixa transparecer em seu texto; ele simplesmente encontrou outra das inúmeras formas de se fazer publicidade. É um consenso geral que sua maneira de anunciar não é usual, deste ponto para dizermos que sua fórmula é a ideal e a melhor entre todas as outras como ele mesmo prega, é um pulo enorme. Defino sua fórmula como uma publicidade carregada de forte conteúdo gerador de notícia, que mistura publicidade e imprensa. Todas as suas campanhas iniciais viraram debates entre jornalistas, publicitários e formadores de opinião em geral. Estes debates logo caíram a público, evidenciados em artigos escritos em jornais, revistas, etc. Todas essas linhas escritas ou ditas foram acompanhadas do nome de Toscani e ao mesmo tempo da Benetton, ou seja, publicidade gratuita para ambos. Toscani disse: “não vendo pulôveres da Benetton, o que estou realmente procurando é defender uma nova concepção da arte fotográfica e publicitária”. Mas instituiu uma imagem muito forte da Benetton e de seu conceito “United Colors”.

Oliviero Toscani teve uma grande idéia ao atribuir responsabilidades à propaganda. Concordo que por estar à publicidade presente em nossa vida de tal maneira, ela deva informar e servir a certas causas. Toscani conseguiu adaptar este conceito em sua campanha “United Colors of Benetton” com sucesso, sem esquecer que mesmo assim, ele serviu a máxima publicitária, concluída pela venda e pelo negócio.

Devemos, com cada cliente, pensar a melhor maneira de resolver seus problemas de comunicação, visando os objetivos reais dos mesmos. Para alcançarmos os resultados esperados, podemos utilizar desde os conceitos mais crus da propaganda até as novidades propostas por Toscani. Reinventar, inovar: não é isso que se espera de cada agência e seus profissionais?

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